Ana Lua Contatore
Construindo uma cidade: oficina de carimbos
Quando era pequena, Ana Lua Contatore morava em Campinas, em uma casa que tinha grades em forma de volutas nas janelas e na varanda. Ela achava aquilo tão lindo que vivia desenhando essas figuras. Isso acabou ficando em sua memória de infância quando decidiu cursar Comunicação Social – Midialogia, na Unicamp, com a ideia de trabalhar com cinema. Depois de um estágio em uma agência de publicidade, achou que o design gráfico tinha mais a ver com ela. Surgiu então a oportunidade de fazer um intercâmbio na Université Sorbonne Nouvelle, em Paris, onde morou por um ano. "Cresci em Campinas, que não é pequena, mas ainda tem bastante cara de interior. Paris foi então a minha primeira
Arquivo pessoal
experiência numa cidade grande. É claro que fiquei maravilhada com tudo: as grades, os detalhes da arquitetura. Quando voltei para o Brasil, trouxe comigo esse olhar de explorar com mais calma grafismos e ornamentos. Gosto muito de andar sem rumo pela cidade, reparando em tudo, nas pequenas coisas que passam despercebidas. Ou de mudar o caminho rotineiro e descobrir alguma coisa nova", diz Ana. Acabou se fixando em São Paulo e, aos poucos, aquele encanto que sentia pelas grades na sua infância em Campinas reapareceu com força. “Um dia, passei em frente a uma casa que tinha uma grade bonita e pensei em fazer um carimbo que formasse aquele padrão. Fiz um modelo só, à mão, em borracha escolar". Era o embrião do projeto Rendas Urbanas, que acabou virando seu trabalho de conclusão de curso na pós-graduação latu sensu em Design Gráfico, na FAAP. "Lancei os carimbos efetivamente uns dois anos depois de apresentar o TCC, adaptando o formato do kit, embalagens e os objetos complementares. Desde então exponho os carimbos em feiras de publicações e de artesanato contemporâneo e dou algumas oficinas", diz. Para ela, “toda grade é carregada de história. Desde o desenho até o processo de serralheria, todo elemento decorativo é fruto do pensamento do seu tempo, inclusive os que tentam imitar estilos antigos. Há também elementos que são universais e aparecem na arquitetura de todas as épocas e lugares, como a voluta”.
Os carimbos Rendas Urbanas são módulos extraídos de grades ornamentais, e que possibilitam a composição de padrões gráficos através da repetição. "Desenhei um conjunto todo modular para que as peças se encaixem e permitam experimentar outros tipos de repetições, composições, sobreposições e rotações, formando padrões híbridos. Ao mesmo tempo, cada carimbo também foi pensado para funcionar como uma imagem independente", diz.
Ana cita Ernst Gombrich - um grande historiador da arte do século XX - para justificar suas escolhas: “o prazer que experimentamos ao criar ordens complexas e ao explorar tais ordens”. E complementa: “Quando olhamos um padrão, nosso olho percebe que existe uma ordem ali e fica passeando pelo desenho, tentando entender como ele funciona, qual a lógica por trás dele. Com os carimbos temos a possibilidade de enxergar essa lógica e usá-la para compor o padrão e também criar novas ordens.”
A oficina de carimbos Construindo uma cidade, que vai acontecer no Lugar de Ler, nasceu da ideia de que os elementos visuais evocam memórias e sensações. "Trazem as histórias vividas por cada pessoa na cidade. Uma praça, uma janela, a fachada de uma casa... Se uma cidade é construída por histórias, a arquitetura e a paisagem urbanas permitem que todos seus elementos possam se tornar símbolos dessas histórias”. E os carimbos vão nascendo dessa composição, pensando no equilíbrio entre grades icônicas e de importância icônica com outras mais comuns, que se repetem em lugares variados. "Grades cujo teor afetivo é muito forte, da casa de uma avó ou do bairro em que se viveu na infância e que estão desaparecendo com a pasteurização das cidades", diz.