Antônio Xerxenesky
Oficina de escrita literária
O primeiro romance de Antônio Xerxenesky, Areia nos dentes, foi uma autopublicação. Na época, o escritor morava em Porto Alegre e cuidava da independente “Não Editora”, que ele mesmo criou. Por conta disso, o livro teve uma tiragem bem pequena, o que não impediu, porém, que conquistasse muitos leitores e críticos. A ponto de chamar a atenção de uma grande editora como a Rocco, que entrou em contato com Antônio querendo publicar o título. Na verdade, eles não apenas queriam lançar uma nova edição de Areia nos dentes, como também propuseram um contrato de mais dois livros inéditos.
Filho de intelectuais - pai médico e mãe tradutora - Antônio tinha uma biblioteca enorme em casa. “Na adolescência, saltei de Tolkien para Cortázar e depois para Joyce. Virei um leitor voraz e tantas leituras acabaram me enlouquecendo. A maneira de dar vazão a esse excesso foi escrever”, conta. Acabou desistindo da Física para cursar Letras, e chegou a ter um livro de contos publicado, como prêmio pelo primeiro lugar em um concurso de contos da prefeitura. “Agora passo o resto da minha vida me arrependendo desse livro. Por isso sempre dou o conselho para que os novos escritores não tenham pressa em publicar - ao menos, não livros físicos. Online é menos problemático”, diz.
Já com Areia nos dentes a história foi diferente. A reedição pela Rocco acabou dando a Antônio a chance de ajustar muitas coisas no texto: “A minha editora, a falecida Vivian Wyler, fez um trabalho sensacional e me ajudou no processo. Não resisti e mexi muito. A vantagem de finalmente publicar um livro é que paramos de ajustar o texto, senão o processo segue para sempre. Porém, acho que no caso de Areia nos dentes o resultado ficou melhor”, diz. Inclusive, essa experiência foi importante para ele entender as vantagens e as desvantagens da publicação independente: “Sozinho, tinha o lado bom de eu ter controle absoluto dos processos, desde opinar na capa até colocar livros no porta-malas e levar para as livrarias, além de receber 100% do valor. Mas faltava justamente a figura do editor externo, alguém capaz de tesourar sem piedade o livro. Um bom editor é peça-chave nas editoras grandes para o resultado. Depois dessa parceria na Rocco, sempre deixei que editores mexessem bastante no meu texto, às vezes cortando até trinta páginas de um livro”, diz.
Atualmente ele não cuida mais da Não Editora, até porque se mudou para São Paulo. “Mas ela continua existindo e de forma muito mais profissional do que antes. É focada na publicação de autores iniciantes - em geral do Sul. O papel que uma editora independente como a Não desempenha no mercado é importantíssimo”, diz.
Depois de Areia, Antônio foi eleito um dos 20 melhores jovens autores brasileiros pela revista britânica Granta. Lançou outros livros: F (Rocco, 2014, finalista do Prêmio São Paulo e indicado ao Prix Médicis de melhor romance estrangeiro publicado na França), que foi escrito enquanto ele era funcionário CLT, batia cartão oito horas por dia, e só conseguia produzir de madrugada e aos finais de semana. Em As perguntas (Companhia das Letras, 2017), foi escritor residente no International Writing Program de Iowa, nos Estados Unidos. “Tudo o que se esperava de mim era que eu escrevesse um romance, o que fiz. É muito difícil falar em uma rotina de escrita, portanto. Não é a escrita de
foto de Renato Parada
ficção que paga meu aluguel, mas a tradução, os cursos etc. Ou seja, por mais importante que a escrita seja na minha vida, ela ainda fica reservada para as madrugadas e finais de semana. Sinto inveja dos escritores europeus que vivem disso, ou estão sempre ganhando bolsas”, diz.
Atualmente, se ocupa com um novo projeto, um romance que começou há três anos. “Há poucos meses, reescrevi tudo do zero e acho que estou finalmente encontrando um caminho no meio da floresta. É um livro sobre melancolia - o antigo nome para depressão - e fascismo no pós-guerra. E partículas elementares. Espero que faça sentido”. Ao mesmo tempo, faz traduções e dá cursos de escrita literária: “Sempre dei cursos de curta duração em vários espaços - SESC, Casa do Saber, Casa das Rosas - e lamentava que não podia acompanhar a evolução dos escritores. Um dos clichês (verdadeiros) da escrita criativa é que o professor precisa ajudar o aluno a encontrar seu estilo. Mas como fazer isso em quatro encontros? Assim, no Lugar de Ler, estruturei um curso de um semestre pensando justamente em maneiras de direcionar os alunos a descobrirem onde está o seu talento de escritor, qual linha seguir, quais livros ler, além de várias questões que permeiam a escrita de ficção como um todo”, conta.
Doutor em Teoria Literária pela USP, Antônio dedicou sua vida acadêmica à obra de Roberto Bolaño, um dos seus escritores preferidos. “Agora, passado o doutorado, quero férias dele. A descoberta de Robert Musil, uns anos atrás, também foi impactante e me levou ao universo do alto modernismo alemão, e me apaixonei por Hermann Broch. Mas estou sempre encontrando coisas novas que me culpo por não ter lido antes, como John Ashbery, James Baldwin, ou para citar alguém vivo, a argentina Mariana Enriquez - quero ler tudo que essa mulher vier a publicar no futuro”.
Também pensa em dar aulas em universidades: “Como todo mundo que passou tempo demais na universidade, um belo dia decidi que detestava tudo aquilo e que nunca seguiria vida acadêmica. A raiva passou e hoje em dia acho a academia um dos lugares mais importantes de resistência cultural no Brasil, e um espaço para discussão aprofundada, algo que resenhas no jornal ou vídeos no Youtube não conseguem suprir. Gostaria muito de dar aula, mas preciso ter mais publicações acadêmicas - estou nessa luta, agora - para ter alguma chance em concursos”