Catarina Bessell
Colagem e Criação de Imagens
Catarina Bessell queria mudar o mundo quando tinha 18 anos. Por isso, achou que se virasse uma economista conseguiria fazer a revolução, pois saberia as regras do jogo e, assim, poderia quebrá-las. Mas seus planos foram frustrados
pelo vestibular. Ela não entrou na FEA. Mas como diz o velho ditado, “há males que são para o bem”, e em uma visita à FEA acabou indo conhecer também a FAU, que ficava do outro lado da rua. “Como os tropicalistas falam, fui "dar um
rolê por aí”, conta Catarina.
Ela não só se encantou com o lugar, como acabou reencontrando a Catarina criança que passava as férias na casa de praia dos avós e dormia no quarto de pintura que cheirava aterebentina e tinta a óleo. “Li os melhores livros
Arquivo pessoal
da minha infância naquele quartinho quase insalubre”, lembra.
Veio então a vontade de estar ali, naquele ambiente da FAU. “Muito tempo depois percebi que essa visita despretensiosa era um anúncio da minha relação com toda a profissão: eu nunca planejei ser ilustradora, nunca planejei trabalhar com isso nem viver disso. Assim como nunca planejei ilustrar por oito anos o caderno de economia da Folha de São Paulo (a vida tem dessas ironias)”, diz. Mas, por obra do acaso ou do destino, o bom é que Catarina se tornou ilustradora e hoje trabalha e vive de sua arte.
No início, passou um tempo ajudando a ilustradora Silvia Amstalden, quando aprendeu muito sobre diagramação de livros, relação da imagem com o texto, aplicações da ilustração no design. “Um dos meus primeiros trabalhos foi para a revista Pesquisa FAPESP. Escaneei e recortei notas de dinheiro para ilustrar uma reportagem sobre corrupção e caixa 2 (mais uma ironia!)”, diz.
Atualmente, ela continua criando imagens para revistas e jornais, além de livros. “É um campo de trabalho bem versátil, o que é ao mesmo tempo um desafio e um privilégio. A gente nunca é uma só. Cada trabalho apresenta questões diferentes. Tenho pavor desse conceito da especialização que, deixando bem claro, é diferente de se aprofundar num assunto. Existem pesquisadores que sabem muito sobre um tema, mas isso não significa que a disseminação e aplicação desse conhecimento deva se restringir àquela área somente, sem poder haver uma interdisciplinaridade. O conhecimento é (pelo menos deveria ser) uma construção coletiva, que vai se fortalecendo justamente com essas trocas! Quando você viaja, por exemplo, é bem comum ter a sensação de encontro consigo mesmo justamente porque você é tirado de um contexto de alienação que muitas vezes o cotidiano te coloca: você enfrenta novas situações, novos desafios, e à medida em que é cobrado pelas situações a tomar decisões vai conhecendo muito de si mesmo nas suas
escolhas”, diz a ilustradora. “É claro que se me pedirem para pintar algo no vidro, eu vou atrás de alguém que saiba a técnica, para conversar. A pesquisa é fundamental em toda produção de imagem. A gente tem que desconstruir essa ideia da inspiração artística”, completa.
Catarina também é versátil em relação às técnicas. “A técnica que eu mais gosto varia muito com o tempo. Tem dias que eu acho lindo o lápis grafite, de uma simplicidade e elegância ao mesmo tempo. Em outros dias, tenho vontade de usar cor”, diz. Mas muita gente associa seu trabalho com a colagem. Segundo ela, a colagem veio com o tempo e, principalmente, da observação de
como ela respondia para diferentes questões. “Colagem é uma maneira de pensar, mais fragmentada, que lida com elementos a princípio sem nenhuma conexão, mas que por justaposição se completam e criam novos conteúdos. É um exercício de liberdade na associação de ideias, sem restrição de conteúdo e sem se preocupar com anacronismos, escalas. Para mim, a colagem é, antes de tudo, um desejo de transformar a realidade com os materiais que a própria sociedade oferece. E por ser uma técnica que usa o material gráfico impresso ela é, em essência, moderna. É um mundo em que as coisas são deslocadas de um lugar para o outro, criando experiências que constróem significados. É criar a partir do que existe para transformá-lo”, diz.
Em seu curso no Lugar de Ler, o objetivo é criar esse espaço de liberdade criativa, trabalhando as muitas maneiras de começar uma imagem: seja pela cor, por recortes de revista, por uma frase de jornal, por um pequeno texto literário. A principal ideia é desconstruir essa noção de que a criação vem de um lugar místico: ela vem da pesquisa, do treino da escuta e do olhar, da percepção do mundo e dos seus detalhes, da ação sobre tensões e conflitos, da ressignificação de conteúdo. “Um dos mantras do curso é tirar a noção do "pronto" e entender que criação é um processo não linear, com um vai e vem de produção, crítica, pesquisa e, principalmente, brincadeira”.