Celso Ninomiya
Aquarela
Durante os anos em que morou no Japão, entre 2001 e 2009, o artista Celso Ninomiya sentiu que seu olhar ficou mais refinado esteticamente. Uma simples ida ao supermercado já equivalia a uma visita ao museu ou à biblioteca: “Os japoneses são muito exigentes e habilidosos na relação ‘forma e função’, e desenvolvem suas criações até o limite. Isso pode ser observado em tudo, em produtos industrializados, na apresentação dos pratos, nos serviços. Percebi a valorização das tradições seculares convivendo com as mais modernas tecnologias, como por exemplo, a arte milenar da caligrafia japonesa impressa em embalagens de última geração”, conta Celso, que se surpreendeu muitas vezes com esse gesto de renovação constante na imagem das coisas, como um movimento para frente e para trás no tempo. “É como olhar um lago de águas paradas à primeira vista, e aos poucos perceber ondulações sutis e variadas vindas do fundo”, diz.
Arquivo pessoal
Viver em Tóquio também foi impactante. “A concentração de pedestres nas avenidas é tanta que é preciso andar na mão certa. E no metrô, eu desviava o olhar de um rosto quando praticamente já estava na minha cara. Caminhava colado às costas, pés e bolsas de quem ia na minha frente”, diz. Era quando conseguia se sentar que Celso desenhava todo aquele mundo efervescente que estava ao seu redor, tornando isso um hábito. “Acabei incluindo no meu repertório a figura humana, algo que evitava no Brasil, preferindo um desenho mais distante, aéreo, no limite da abstração. Acho que isso só poderia ter acontecido lá”, diz.
Antes do Japão, sua experiência por aqui vinha principalmente de desenhar projetos de arquitetura. Aos 15 anos, trabalhou na construção civil como desenhista. Depois, em 1981, entrou na FAU - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo de São Paulo - e começou a ilustrar projetos e desenhar perspectivas para arquitetos como Roberto Loeb, Jorge Wilheim, Rogério Batagliesi e Ricardo Julião, entre outros. “Dividia meu tempo entre dar aulas de desenho, fazer a faculdade e trabalhar nesses projetos”.
Mas o desenho vinha ganhando cada vez mais espaço em sua vida, mesmo antes da ida ao Japão: “Na FAU, estimulava-se os alunos a organizarem suas ideias de projetos em cadernos, como uma ferramenta no processo criativo, para arquitetos e artistas. Eu adotei essa ideia, fazendo cadernos de viagens, e o primeiro foi numa excursão da faculdade para estudar a arquitetura do Rio de Janeiro do século 19 ao 20. Depois disso, não parei mais de produzir cadernos, desenhando em viagens de lazer e em estudos de arquitetura e arte”, conta.
Um pouco depois, Celso conheceu o ateliê de Setsuko Katayama, em São Paulo, e se encantou com a aquarela. “Logo que entrei no lugar levei um choque ao ver os quadros da artista na parede. Eram diferentes de toda a concepção de aquarela que tinha até então. Comecei a ir às suas aulas, louco para aprender aquele jeito de aquarelar, e levei um tempo para perceber que o que ela ensinava era a técnica de aquarela... os quadros eram a pesquisa pessoal dela. Daí iniciei as minhas próprias pesquisas na área”, diz.
Até então, o artista experimentava várias técnicas - pintura a óleo, colagem, gravura em metal. Mas depois das aulas com Setsuko Katayama, ele percebeu sua afinidade com a aquarela e decidiu se aprofundar no assunto. “Tem sido minha técnica preferida. Gosto da transparência, da luz e das manchas, além do material ser leve, me deixando livre para pintar em qualquer lugar, desde viagens até filas em banco”.
Em 1993, Celso ganhou uma menção honrosa no Projeto Nascente IV da USP e, em 2000, ficou em primeiro lugar no Salão de Artes Plásticas da Galeria de Arte Mali Villas-Bôas, em São Paulo. Em 2011, montou um evento informal só para amigos e convidados, para expor parte da sua produção no Japão e seus cadernos de viagens. A boa recepção às suas obras foi crucial para estimulá-lo a se dedicar mais à pintura e abrir mão da arquitetura. Acabou ingressando na faculdade de Artes Visuais da ECA, onde se formou em 2015, e desde então está voltado somente para os trabalhos no campo da arte. Dar aulas faz parte disso: “Gosto muito de dar aulas, é sempre um ato de renovação. A cada novo aluno, atualizo meus métodos e programas de ensino, e acho que ensinar contribui muito para o desenvolvimento do campo da aquarela. Nesse sentido, as aulas de licenciatura do programa da ECA valeram para um novo olhar sobre o ensino de artes e técnicas de um modo mais organizado e, ao mesmo tempo, despojado”, diz. Celso estará no Lugar de Ler até novembro dando aulas semanais de aquarela, enquanto termina a produção de uma série de encáusticas iniciada no ano passado. “Assim que atingir um bom volume de obras de qualidade, vou partir em busca da melhor condição de expor. Não gosto de projetar nada antes disso, sou meio supersticioso nessa parte.”, diz.