Guilherme Mazzafera
Guimarães Rosa: "Narrar é resistir"
Fã de Guimarães Rosa desde as aulas de Literatura no Ensino Médio, Guilherme Mazzafera não teve dúvidas quanto à escolha do tema de sua pesquisa de iniciação científica durante o curso de Letras: o próprio Guimarães. Mas ele não imaginava o quanto esse projeto se ampliaria depois de um estágio de dois anos no Fundo João Guimarães Rosa, do Instituto de Estudos Brasileiros da USP. Lá, ele teve a feliz oportunidade de entrar em contato com manuscritos, anotações, cartas, fotos e vários outros tipos documentos do escritor mineiro, que lhe deram uma nova dimensão da sua obra.
Arquivo pessoal
“Antes do estágio, eu já havia me interessado profundamente por 'Com o vaqueiro Mariano', que foi originalmente publicado em 1969 em Estas estórias, o primeiro livro póstumo de Rosa. Uma breve pesquisa revelou, no entanto, que esse texto é bem mais antigo, tendo sido escrito e publicado entre julho de 1947 e março de 1948, ou seja, depois de Sagarana, que é de 1946, e antes dos livros Corpo de Baile e Grande Sertão: Veredas, ambos de 1956”, diz. Isso, segundo o pesquisador, não só dava um novo significado às questões mobilizadas pela narrativa - “em especial, a constituição de determinados impasses éticos e estéticos” -, como também revelava um período quase inexplorado de grande atividade de Guimarães.
Guilherme decidiu então se debruçar justamente sobre esse material produzido entre os anos de 1947 e 1954, quando Rosa publicou cerca de vinte textos em diversos jornais da época. “O conjunto desses escritos se tornou meu objeto de pesquisa do mestrado, defendido em 2017 na USP”, diz Guilherme, que analisou mais detalhadamente três narrativas: “Com o vaqueiro Mariano” (em suas três versões), que é uma entrevista lírica sobre o convívio do autor com o dito vaqueiro na Nhecolândia, no Pantanal Mato-grossense; “O mau humor de Wotan”, um conto-crônica sobre a experiência de Rosa na Alemanha durante a Segunda Guerra; e “Pé-duro, chapéu-de-couro”, épica ensaística que fala de uma vaquejada que aconteceu em Caldas do Cipó, na Bahia, em junho de 1952. “Esse evento ficou famoso porque teve a presença do então presidente Getúlio Vargas”, conta. Para Guilherme, esses três textos são os exemplos mais expressivos de um momento bastante específico da literatura de Guimarães Rosa: “Caracterizam-se pela construção lenta e gradual de um ponto de vista em primeira pessoa, em seu tenso enlace entre aproximação e impessoalidade, consciente dos impasses que mobiliza a partir de um alinhamento ético no qual a busca pela forma, em sua conflituosa porosidade de gêneros, implica uma atitude política de resistência”, diz.
E é a partir das obras menos conhecidas de Guimarães Rosa que Guilherme inicia seu curso no Lugar de Ler, tendo como ponto de partida os contos de juventude - reunidos em Antes das primeiras estórias - e a poesia de Magma, livro que possui conexões profundas com Sagarana. “Depois dessas leituras, feitas com atenção especial às dificuldades do ângulo narrativo, desaguamos no único romance de Guimarães Rosa, a obra-prima Grande sertão: Veredas”, diz.
Para saber mais sobre a pesquisa de Guilherme, assista a sua entrevista a Tamlyn Ghannam, do canal LiteraTamy: