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João Maria Matilde

de Marcela Dantés

Leitura de Janette Tavano

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Nem sinal de asas, da Marcela Dantés, publicado pela editora Patuá, foi o melhor livro que li em 2021. Por isso, assim que soube que a Marcela ia lançar um novo livro, já me deu aquela ansiedade, aquela alegria, igual a quando a gente segue um seriado e tem que esperar um tempo interminável para assistir à próxima temporada, e, de repente, os trailers dos novos episódios começam a pipocar no Instagram. Ou quando você vai pra praia e aguenta vários dias de chuva à espera de um dia de sol, pelo menos um diazinho, e finalmente o céu amanhece limpo e você corre pra praia antes que as nuvens tampem novamente o horizonte.


Queria ter o livro logo, ler logo, fazer tudo logo.


Antes que eu tivesse o livro, conheci a Marcela, online e presencialmente, e fiquei ainda mais fã. Mas isso é assunto para outra conversa. O fato é que finalmente o livro, João Maria Matilde, lançado pela Autêntica, chegou às livrarias e comprei o meu exemplar.
 
Mas não comecei a ler imediatamente como achei que faria. Não.

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foto: Rafael Motta

Porque quando finalmente eu tinha o livro, minha agenda estava lotada, trabalho, faculdade, e eu queria ter um momento especial para começar essa leitura, quando eu tivesse apenas tempo de ler. Um desejo um pouco utópico, bem impossível mesmo, mas era o que eu queria.

João Maria Matilde ficou então uns dois, quase três meses, na pilha da minha mesa de cabeceira. Sempre no alto. Seria o primeiro.

Chegou então a tão esperada folga. Férias na faculdade, menos compromissos de trabalho. Não tinha rede nem brisa do mar, nem uma paisagem especial. Comecei a ler na minha casa mesmo, no sofá de todos os dias, com as gatas me apertando as pernas.

E tentei ler aos poucos, pra prolongar esse tão desejado encontro.

Como em Nem sinal de asas, a protagonista é uma mulher que precisa se entender (ou não) com o mundo à sua volta, começando pelos afetos familiares, pela mãe e pelo pai. Anja e Matilde parecem frágeis para alguns, mas para mim são o contrário disso: são fortes, mulheres que não se assustam com a solidão e com o que não sabem.

Logo no início da história sabemos que Matilde nunca conheceu o pai e que sua mãe vive em uma clínica e não se lembra mais das coisas, nem mesmo da filha, por conta do Alzheimer.

Matilde tem quase 40 anos quando recebe uma notícia daquelas que mudam a vida. Seu pai, que se chamava João Maria, tinha morrido em Portugal.

“O livro é sobre essa busca, dessa paternidade que ela nunca conheceu”, disse Marcela no podcast do Lugar de Ler.

E do mesmo modo que Marcela consegue nos levar para dentro do grande apartamento com carpete azul desbotado de Anja, uma mulher de também quase 40 anos, agora nos leva para a cidade murada de Portugal com Matilde: leitor e personagem descobrem juntos essa história, esse pai. Não há como não se desesperar como Matilde, que sozinha, sem as memórias da mãe, precisa olhar para esse passado, que ficou muito bem escondido atrás dos muros de uma cidade do outro lado do oceano, onde é difícil caminhar por causa do chão de pedras.

Até mesmo a língua confunde Matilde, uma tradutora que conhece vários idiomas, mas que não entende esse português que traz a história do pai. Uma história que é difícil de ser traduzida. Talvez porque seja A história, aquela que finalmente explicou a Matilde tudo o que ela sempre inventou para si mesma e para os outros.

Marcela descreve tão bem as sensações difíceis, os surtos, os questionamentos de Matilde sobre o que é verdade ou não, a sua perda de contato com o mundo:

“É um quarto de hotel, mas também não é. É o mundo todo, mas também não. Aquela sensação flutuante e esponjosa entre sono e vigília, quando sabemos quase nada de nós mesmos e um tanto do resto”.

Ou ainda neste outro trecho:

“O quarto quente. O Pedro que ainda precisa me dizer um monte e repetir tudo aquilo que não consegui digerir. O cachorro que não sei por onde anda, e agora já tenho os olhos abertos, minha mãe que não sabe mais de mim. A porra dos meus óculos. O Abel que não me atendeu, ou atendeu, eu sinto a garganta doendo e é como se tivesse passado muito tempo gritando, eu sei porque isso já me aconteceu. O que eu disse para Abel, o que eu gritei? Gritamos? E o meu pai morto no chão. Ninguém deveria ser obrigado a ver o pai morto no chão, o sangue deixando o corpo e ganhando o mundo, os olhos passando de brilhantes para opacos, de úmidos para completamente inertes nesse fim de mundo.”

No fim, acabei lendo João Maria Matilde mais rápido do que eu gostaria. Porque a partir do momento que a história começa a ser revelada para Matilde – “uma conversa que acontece aos punhados” -- vem uma pressa para juntar todas essas novas cenas. Li o livro em um só fôlego porque a escrita de Marcela é assim, não deixa a gente querer parar nem pra respirar.

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João Maria Matilde

Editora Autêntica

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Marcela Dantés

Nasceu em Belo Horizonte, em 1986. É formada em Comunicação Social pela UFMG e pós graduada em Processos Criativos pela PUC Minas. Em 2014 participou da tradicional Oficina de Escrita Criativa com o professor Luiz Antônio de Assis Brasil, na PUC Rio Grande do Sul. Lançou em 2016 a coletânea de contos intitulada Sobre pessoas normais (Editora Patuá), que foi semifinalista do Prêmio Oceanos 2017. Também em 2016, a convite do autor José Eduardo Agualusa, foi escritora residente do FOLIO - Festival Literário Internacional de Óbidos. Seu primeiro romance, Nem sinal de asas, foi finalista do prêmio São Paulo de Literatura 2021 na categoria Melhor Romance de Estreia e do prêmio Jabuti 2021, na categoria melhor Romance Literário. Em 2022, lançou  João Maria Matilde, pela Editora Autêntica.

Ouça também nosso podcast com a autora, AQUI.

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