Tereza Bettinardi
A forma do livro
Tereza estava no primeiro ano da faculdade de Jornalismo quando percebeu que não tinha o perfil ideal para ser uma repórter ou redatora. Quando se envolvia em projetos e trabalhos, era inevitável que seu interesse se dirigisse para o lado mais visual da produção. “Desde pequena eu gostava de inventar coisas: programar, fazer pequenas animações e desenhos no computador, fazer colagem, bordado, origami, tapeçaria”, diz. Não teve dúvidas: prestou um novo vestibular e foi estudar Design Gráfico. “O plano era me formar nas duas faculdades e trabalhar com design editorial em revistas”, diz. Teve a oportunidade de participar do
Arquivo pessoal
programa de treinamento da Editora Abril, o que já a colocou dentro de algumas redações importantes do mercado editorial. Decidiu então trocar Santa Maria, no Rio Grande do Sul, por São Paulo em definitivo e ir trabalhar na revista Superinteressante. “Foi um período bem rico, com muito aprendizado, em que consegui entender de forma profunda a importância do respeito total ao leitor”, conta.
Depois de três anos nessa área — com passagem por diversos outros títulos da Abril — tornou-se assistente no estúdio do designer Kiko Farkas, onde pode experimentar outras facetas do design editorial: projetos gráficos de livros e capas. “Passei um período como freelancer, ainda trabalhando no mercado de revistas, até que tive a chance de ingressar no time de design da editora Cosac Naify. Foi lá que tive o primeiro contato com livros para crianças, além de uma convivência com editores, designers e produtores gráficos que me proporcionou um amadurecimento importante”, diz. “Eu acredito que qualidade no livro é resultado de um processo que inicia nas primeiras conversas com editores, designers, ilustradores, produtores gráficos. Uma das coisas que mais curto no trabalho é conversar com as pessoas, entrar num entendimento sobre quais decisões vamos tomar nas etapas do projeto. Acho que esse entrosamento acaba se refletindo no resultado final”, completa.
A experiência com livros deu a Tereza um novo olhar sobre a criança: “Quando um designer fala sobre um projeto, ele não revela apenas detalhes do seu processo e as escolhas estéticas que o levaram a chegar naquele resultado, mas também como enxerga seu público, seus leitores. A nossa prática profissional é só uma extensão das nossas atitudes fora do InDesign. Por que nós, adultos, mudamos o tom de voz quando falamos como uma criança? Se tipografia também é voz, não surpreende portanto encontrar toda a sorte de letras "fofinhas, gordinhas e decoradas" que se encaixam no que consideramos o mundo da criança. Não é raro também esbarrar em letras que imitam a caligrafia infantil, feitas com giz de cera por adultos bem treinados”, diz.
A questão é que, para ela, a criança é uma leitora ativa e capaz de realizar conexões impensáveis, com um processo e uma experiência de leitura um pouco diferentes daqueles dos adultos, o que traz diversos desafios para quem faz livros. “Basta lembrar de quantas vezes nos contaram histórias em voz alta ou da leitura que fizemos de livros que não eram nossos, mas emprestados das bibliotecas. Quando projetamos um livro para crianças será que levamos em conta que se trata de um objeto que é mais coletivo do que individual?”, diz. Preocupada e atenta a essas questões, Tereza as traz para seu curso no Lugar de Ler, a fim de promover uma importante discussão sobre o design de livros para crianças.